O Design Inteligente

Escrito em 03/02/2016


Todos concordam que os seres vivos são complexos, não só na forma, mas também nas funções que seus organimos executam para mantê-los vivos e interagindo com o meio ambiente. Também é bastante claro que há uma diferença de complexidade entre os diversos seres vivos. Bactérias são mais simples que insetos, que por suas vez são mais simples do que mamíferos, ao menos em termos anatômicos. Entretanto, alguns seres são bastante semelhantes a outros em forma e/ou funções, sugerindo algum tipo de proximidade, ou parentesco. Como isso acontece? Como surgiram esses seres e como se desenvolveram as funções que precisam para viver?
Essas breves observações, junto com alguns outros conhecimentos sobre fósseis, genética, fisiologia, anatomia, etc, levaram ao desenvolvimento da chamada Síntese Moderna da Teoria da Evolução, ou neodarwinismo; uma fusão entre as ideias de Darwin e a Genética, com contribuições fundamentais da Bioquímica.
No núcleo da Teoria da Evolução está a observação de que os seres vivos evoluem. A teoria neodarwinista explica essa evolução através de variações genéticas aleatórias e pela sobrevivência do mais forte. Em um grupo de seres surge uma mutação genética que torna esse ser mutante mais apto à sobrevivência naquele momento. Essa maior aptidão o capacita a deixar mais descendentes que levam consigo a mutação. Com o passar do tempo, surge uma nova espécie.
É justamente pelo fato da aleatoriedade estar no centro da teoria neodarwinista que surgem conflitos com a religião, em especial o cristianismo, pois ele ensina que o mundo e principalmente o ser humano, são frutos de um projeto de Deus. Fomos criados, não surgimos de mutações aleatórias sem propósito.
A Igreja Católica não nega o conhecimento científico, mas pelo contrário, afirma que quando está de acordo com o reto uso da razão também é um caminho para Deus, ao lado da fé (cf . Encíclica Fides et Ratio, são João Paulo II). Desse modo, para o católico, não há porque opor o neodarwinismo ao criacionismo. É possível – necessário! – conciliar as duas coisas.
Em 2007 o cardeal Avery Dulles publicou um artigo entitulado “God and evolution” (Deus e a evolução) na revista de teologia First Things. Nesse artigo o cardeal listou três possíveis modos de conciliar o neodarwinismo com o criacionismo sem ferir a doutrina católica (tradução e negritos meus):
“Todas as três destas perspectivas cristãs sobre evolução afirmam que Deus tem um papel essencial no processo, mas concebem o papel de Deus de maneiras diferentes. De acordo com o darwinismo teísta, Deus inicia o processo produzindo desde o primeiro instante da criação (o Big Bang) a matéria e energias que vão gradualmente desenvolver-se em vegetais, animais e eventualmente vida humana na Terra e talvez em mais lugares. De acordo com o design inteligente o desenvolvimento não ocorre sem intervenção divina em alguns estágios, produzindo órgãos irredutivelmente complexos. De acordo com a visão teleológica, o impulso da evolução e seu avanço em graus maiores de ser dependem da presença dinâmica de Deus na sua criação. Muitos adeptos desta escola diriam que a transição da existência físico-química para vida biológica, e as demais transições para vida animal e humana, requer uma dose adicional da energia criativa divina.”
Ao longo do artigo o cardeal Dulles elabora de modo muito didático as principais críticas e pontos fortes de cada posição. Ele se declara partidário da Visão Teleológica, mas deixa claro que os católicos podem defender qualquer umas das três, ao menos de acordo com a doutrina católica.
Bem, eu aproveito a liberdade do cardeal e respeitosamente me declaro partidário do darwinismo teísta. Aliás, não apenas eu, mas praticamente todos os cientistas católicos que conheço. A visão teleológica geralmente é defendida pelos teólogos. Estudando os textos de Ratzinger (papa Bento XVI) parece-me que também essa é sua posição, mas não posso afirmar com certeza pois ele nunca se declarou explicitamente.
São poucos os teólogos, e menos ainda os cientistas, que defendem o chamado Design Inteligente. Como bem colocou o cardeal, a diferença entre as três posições está no quanto Deus interagiria para fazer uma evolução cega caminhar em direção a uma finalidade clara: o ser humano. Os darwinistas teístas afirma que Deus interage pouco, pois já fez o fundamental criando o universo com imensa sabedoria. Os que defendem a visão teleológica pensam que Deus interage com uma frequência baixa, só nos momentos muito cruciais. Por fim, os partidários do Design Inteligente (DI) sustentam que Deus age com muita frequência, sempre que é preciso fazer algo mais complexo.
O grande problema do DI é que ele não é científico, e a visão teleológica tem o perigo de cair num DI com muita facilidade, tornando-se, portanto, também não científica. O DI não é científico porque não faz afirmações que podem ser testadas. A argumentação dos seus defendores sustentam-se quase exclusivamente em críticas à Teoria da Evolução, quase sempre em pontos onde ainda não foi possível explicar um mecanismo evolutivo satisfatório ou em que faltam fósseis como evidência última de que ocorreu uma evolução.
O DI tem um apelo muito forte nos EUA, onde já aconteceram vários julgamentos em tribunais envolvendo pais de alunos e comitês de currículos escolares sobre se o DI deveria ou não ser ensinado nas escolas. Não por acaso, um dos maiores críticos ao DI é o biólogo norte-americano Kenneth Miller, que também é católico e por isso entende bem as sutilezas dos argumentos teológicos envolvidos.
O Dr Miller tem se especializado em debater publicamente com defensores do DI mostrando como o argumento principal deles, a complexidade irredutível, é falso. Segundo essa ideia, alguns órgãos e algumas funções biológicas não poderiam ter surgido por evolução porque são tão complexos que se uma parte faltasse, o todo não poderia funcionar. Um exemplo clássico é o olho: se faltar a retina, a visão estará comprometida, e assim com várias partes da anatomia ocular. Há outros exemplos, como a complexa cadeia bioquímica de coagulação do sangue. Eles concluem que só um Designer Inteligente (Deus) poderia ter feito esses órgãos/funções que são irredutivelmente complexas.
Como eu disse, o grande mérito do Dr Miller foi popularizar artigos técnicos de biologia que demonstram a falsidade do DI evidenciando mecanismos evolutivos para essas partes “mágicas”. Já foi bem explicado como o olho, a coagulação do sangue e outros supostos casos de complexidade irredutível podem surgir com evolução. As explicações contam inclusive com evidências experimentais. Evidentemente, sempre haverá pontos em aberto na ciência, é próprio da investigação científica não possuir respostas definitivas. Assim, os defensores do DI perdem um argumento e procuram outro novo. Por isso, não basta mostrar que eles não propoem uma teoria, mas limitam-se a procurar erros na Teoria da Evolução. Também é preciso mostrar que a ideia deles é inconsistente.
Segundo o Dr Miller, o melhor argumento nesse sentido é olhar para a história evolutiva dos seres vivos e constatar que somente cerca de 1% das mudanças evolutivas permancem ao longo do tempo. Em outras palavras, 99% das novidades são extintas em pouco tempo. Assim, diz ele, “a caracterísca que melhor descreve o Designer Inteligente é a incompetência”. Evidentemente, Deus não pode ser incompetente na sua Criação.
O DI não é uma teoria científica séria, mas uma tentativa de impor um raciocínio religioso à tecnica científica. O pior de tudo é que essa tentativa é feita por meios políticos, convencendo as pessoas que a Teoria da Evolução é contra a fé e a moral. Para piorar, o DI também é uma má teologia, porque sustenta-se no que chamamos de “Deus dos buracos”. Usa Deus para tampar “buracos”, pontos ainda não explicados, pela ciência. O perigo é óbvio: quando a ciência encontrar uma explicação, Deus deixa de ser necessário.
Penso que se a Igreja nos ensina que tanto a ciência quanto a fé nos levam a Deus, o DI não é uma opção para o católico, pois ainda que esteja de acordo com a doutrina – como diz o cardeal Dulles, certamente não está de acordo com o método científico. Resta-nos o darwinismo teológico e a visão teleológica. Ambos têm vantagens e perigos, a discussão está em aberto.

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